terça-feira, 4 de março de 2014

O Mito da Caverna - Platão

   Imaginemos, escreve Platão, uma caverna separada do mundo exterior por um alto muro. Entre esse muro e o chão há uma fresta por onde passa alguma luz externa, deixando a caverna na obscuridade quase completa. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos estão acorrentados ali, sem poder mover a cabeça na direção da entrada nem se locomover até ela, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol. Estão quase no escuro imobilizados.

   Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que passam do lado de fora sejam projetadas como sombras naquelas paredes do fundo da caverna.

   Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres, animais cujas sombras também são projetadas na parede da caverna.  Nunca tendo visto o mundo exterior, os prisioneiros julgam que a sombras das coisas e das pessoas, os sons e suas falas e as imagens que transportam nos ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos são coisas vivas que se movem e falam.

   Os prisioneiros se comunicam, dando nomes às coisas que julgam ver (sem vê-las realmente, pois estão na obscuridade), e imaginam que o que escutam, e que não sabem que são sons vindo de fora, são as vozes das próprias sombras, e não dos seres humanos cujas as imagens são projetadas na parede, e também imaginam que os sons produzidos pelos artefatos que essas pessoas carregam nos ombros são vozes de seres reais.

   Qual é, pois, a situação dessas pessoas aprisionadas? Tomam sombras por realidade, tanto as sombras das coisas e dos seres humanos exteriores como as sombras dos artefatos fabricados por eles. Essa confusão, porém, não tem como causa um defeito na natureza dos prisioneiros, e sim as condições adversas que se encontram. Que aconteceria se eles fossem libertados dessa situação miserável?

   Um dos prisioneiros, inconformado com a condição que se encontra, decide abandonar a caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. De início move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção da saída e escala o muro. Enfrentando as durezas de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pelo luminosidade do Sol, com o qual os olhos não estão acostumados. Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de seus olhos sob a ação da luz externa, muito mais forte que a fraca luz do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento.

   Incredulidade, porque será obrigado a decidir sobre onde se encontra a realidade: no que vê agora ou nas sombras em que sempre viveu? Deslumbramento (literalmente “ferido pela luz”), porque seus olhos não conseguem ver com nitidez as coisas iluminadas.

   Seu primeiro impulso é retornar para a caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraído pela escuridão, que lhe parece mais acolhedora. Além disso precisa aprender a ver, e esse aprendizado é doloroso, fazendo-o desejar a caverna, onde tudo é familiar e conhecido.

   Sentindo-se sem disposição para regressar à caverna por causa da rudeza do caminho, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos habitua-se à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de finalmente ver as coisas como ela realmente são, descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutará com toda a sua força para jamais retornar a ela. Mas lamenta a sorte dos outros prisioneiros. Por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los a se libertarem também.

   Que lhe acontece no retorno? Os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras. Se não conseguirem silenciá-los com suas caçoadas, tentarão fazê-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teimar em afirmar o que viu e os convidar a sair da caverna, certamente acabarão por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderão ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair da caverna rumo a realidade?

   O que é a caverna? O mundo de aparências em que vivemos. O que são as sombras projetadas no fundo? As coisas que percebemos. Que são os grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, nossa crença de que estamos percebendo a realidade. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz do Sol? A luz da verdade. O que é o mundo iluminado pelo Sol da verdade? A realidade. Qual é o instrumento que liberta o prisioneiro rebelde e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A filosofia.

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