quarta-feira, 22 de março de 2023

COMPREENSÃO ADVENTISTA SOBRE A NATUREZA DA BÍBLIA

 COMPREENSÃO ADVENTISTA SOBRE A NATUREZA DA BÍBLIA 

Os adventistas do sétimo dia defendem a Bíblia como a única revelação da vontade e plano de Deus para a humanidade. Aceitam-na como a infalível e normativa autoridade para definir crenças e práticas. Creem que nesse livro Deus oferece à humanidade os conhecimentos necessários à salvação.

A primeira Crença Fundamental da Igreja Adventista do Sétimo Dia apresenta uma declaração concisa da crença da igreja sobre a Bíblia: "As escrita e dada por inspiração divina por intermédio de santos homens de Deus que falaram e escreveram ao serem movidos pelo Espírito Santo. Nessa Palavra, Deus transmitiu ao homem o conhecimento necessário para a salvação. As Escrituras Sagradas são a infalível revelação de Sua vontade. Constituem o padrão de caráter, a prova da experiência, o autorizado revelador de doutrinas e o registro fidedigno dos atos de Deus na história."

Essa Crença Fundamental mostra que os adventistas concordam com os outros cristãos conservadores no particular de que a Bíblia é divinamente inspirada e contém a infalível revelação da vontade de Deus para nossa vida. Eles aceitam plenamente a autoridade divina e a completa fidedignidade das Escrituras, embora jamais tenham defendido a doutrina da inerrância bíblica

Objeções adventistas à inerrância absoluta

Os adventistas não endossam a doutrina da inerrância da Bíblia por cinco razões importantes. Primeiramente, os adventistas creem que os escritores da Bíblia foram os autores de Deus, e não a pena do Espírito Santo. Eles estiveram totalmente envolvidos na produção de seus escritos. Alguns deles, como Lucas, reuniram as informações entrevistando testemunhas oculares do ministério de Cristo (Lc 1:1-3). Outros, como os autores de Reis e Crónicas, fizeram uso dos registros históricos de que dispunham. O fato de tanto os escritores como as suas fontes serem humanos, torna irrealista insistir na tese de que não existem declarações inexatas na Bíblia.

Em segundo lugar, as tentativas dos inerrantistas de conciliar as O O discrepâncias entre as descrições bíblicas do mesmo acontecimento resultam, muitas vezes, em interpretações distorcidas e forçadas da Bíblia. Harold Lindsell tenta, por exemplo, conciliar os relatos divergentes da negação de Jesus por parte de Pedro ao cantar do galo propondo que Pedro negou Jesus num total de seis vezes!31 É possível evitar essas especulações gratuitas simplesmente aceitando a existência de discrepâncias irrelevantes nos relatos dos Evangelhos.

Em terceiro lugar, ao basear a fidedignidade e a infalibilidade da Bíblia na exatidão de seus pormenores, a doutrina da inerrância ignora que a função principal das Escrituras é a de revelar o plano de Deus para a nossa salvação. A Bíblia não tem a pretensão de nos fornecer informações geográficas, históricas ou culturais exatas, mas tão somente de nos revelar como Deus nos criou perfeitamente, nos redimiu completamente e há de finalmente nos restaurar.

Em quarto lugar, os adventistas entendem que a doutrina da inerrância da Bíblia não possui fundamento bíblico. Os escritores bíblicos jamais reivindicaram ser inerrantes em suas declarações. Esse conceito tenta tomar como ponto de partida a inspiração divina. Parte do pressuposto de que, se a Bíblia é divinamente inspirada, então deve ser igualmente inerrante. Mas a Escritura jamais equipara inspiração com inerrância. A natureza da Bíblia deve ser definida dedutivamente, isto é, considerando todos os dados fornecidos pela própria Bíblia, e não indutivamente, ou seja, extraindo conclusões de premissas subjetivas. Uma análise dedutiva das discrepâncias existentes na Bíblia não favorece a tese da inerrância absoluta. 

O papei humano na produção da Bíblia

Uma última razão por que os adventistas rejeitam a doutrina da inerrância da Bíblia é o reconhecimento do papel humano na produção da Bíblia. "A Bíblia aponta a Deus como seu autor; no entanto, foi escrita por mãos humanas, e no variado estilo de seus diferentes livros apresenta as características dos diversos escritores. As verdades reveladas são todas dadas por inspiração de Deus (2Tm 3:16); acham-se, contudo, expressas em palavras de homens. O ser infinito, por meio de Seu Santo Espírito, derramou luz na mente e no coração de Seus servos."

De modo contrário à Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia, segundo a qual a Bíblia foi "verbalmente dada por Deus", os adventistas creem que o Espírito Santo impressionou os escritores da Bíblia com pensamentos, e não com palavras. "Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os homens é que o foram. A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas expressões, mas no próprio homem, que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos."

Deus inspirou os homens, e não suas palavras. Isso significa que a Bíblia "não é a maneira de pensar e se exprimir de Deus. Essa é da humanidade. Deus, como escritor, não Se acha representado. Os homens dirão muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus. Ele, porém, não Se pôs à prova na Bíblia em palavras, em lógica, em retórica. Os escritores da Bíblia foram os instrumentos de Deus, não Sua pena".

Os adventistas do sétimo dia reconhecem que existem discrepâncias ou imprecisões na produção da Bíblia e na transmissão de seu texto. "Alguns nos olham seriamente e dizem: 'Não acha que deve ter havido algum erro nos copistas ou da parte dos tradutores?' Tudo isso é provável [...], [mas] todos os erros não causarão dificuldade a uma alma, nem farão tropeçar os pés de alguém que não fabrique dificuldades da mais simples verdade revelada."

A existência de erros na produção ou transmissão do texto bíblico só é problema para aqueles que desejam "fabricar dificuldades da mais simples verdade revelada". O certo é que o fato de existirem detalhes imprecisos não enfraquece a validade das verdades fundamentais reveladas na Escritura.

O caráter divino e humano da Bíblia

Os adventistas baseiam sua doutrina sobre a natureza da Bíblia em dois importantes versículos: "Toda a Escritura é inspirada por Deus" (2Tm 3:16) e "nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo" (2Pe 1:21). Esses versos enfatizam a natureza divino humana da Bíblia. Embora tenham sua origem em Deus, as mensagens dos escritores bíblicos foram expressas em linguagem humana, refletindo a formação cultural e educacional dos escritores.

Reconhecer a natureza divino-humana da Bíblia exclui as duas concepções equivocadas sobre a Bíblia que discutimos neste capítulo. A primeira é a dos inerrantistas. que superestima a dimensão divina da Escritura e subestima a participação humana, a fim de legitimar a ideia de que o texto é completamente isento de erros.

A segunda concepção, liberal, é a dos críticos, segundo os quais os escritos bíblicos refletem apenas ideias e aspirações humanas. Para eles. esses escritos são produto de indivíduos de extraordinária capacidade intelectual e religiosa, que foram influenciados, não pela inspiração do Espírito Santo, mas pela cultura de seu tempo.

Os adventistas rejeitam ambas as concepções, ou seja, tanto a dos inerraiitistas como a dos críticos liberais. Em vez disso, defendem uma concepção equilibrada, alicerçada no próprio testemunho da Bíblia (2Tm 3:16; IPe 1:21) acerca de seu caráter divino-humano.

O livro Nisto Cremos afirma: "Existe um paralelismo entre Jesus feito carne e a Bíblia: Jesus combinou em Si Deus e o homem; o divino e o humano se tornaram Um. De modo similar, a Bíblia também reúne o divino e o humano em um só. O mesmo que foi dito de Cristo, pode ser afirmado da Bíblia: 'o Verbo Se fez carne e habitou entre nós' (Jo 1:14). Essa combinação divino-humana faz com que a Bíblia assuma um lugar absolutamente singular na literatura." 

A dimensão humana da Bíblia

Pode-se ver a dimensão humana da Bíblia, por exemplo, no emprego do grego koiné, que era a língua do mercado, em vez do uso do grego da literatura clássica. Revela-a também o estilo literário árido de livros como o Apocalipse, que apresenta vocabulário limitado e alguns erros gramaticais. Está presente no aproveitamento de tradições orais por homens como Lucas, ou de registros escritos pelos autores de Reis e Crónicas. Reflete-se na expressão das emoções humanas, em textos como o Salmo 137, que, descrevendo o sentimento dos cativos hebreus em Babilónia, exclama: "Filha da Babilónia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra" (SI 137:8, 9).

Essa forma violenta de linguagem expressa emoções humanas magoadas, mas não o modo de falar divino. O Deus da revelação bíblica não se compraz em esmagar bebés contra as rochas. É importante lembrar que o Senhor "'não Se pôs à prova na Bíblia em palavras, em lógica, em retórica"

A dimensão divina da Bíblia

A unidade fundamental dos ensinos da Bíblia aponta para sua natureza divina. Cerca de 40 autores escreveram 66 livros no decorre de um período de 1.600 anos; apesar disso, todos partilham o mesmo ponto de vista sobre criação, redenção e restauração final. Unicamente a inspiração divina poderia garantir a unidade temática subjacente da Bíblia ao longo de séculos cie composição.

Outra indicação da natureza divina da Bíblia é o seu impacto sobre as vidas e sociedades humanas. A Bíblia venceu o ceticismo, o preconceito e a perseguição do mundo romano. Transformou os valores e as práticas sociais das sociedades que lhe abraçaram os ensinos; conferiu um novo valor à vida, imprimiu senso de dignidade à pessoa humana e novo status às mulheres e aos escravos; rompeu com a discriminação social e racial; deu a inumeráveis milhões de pessoas uma razão para viver, amar e servir.

O caráter divino da Bíblia também se revela em sua maravilhosa concepção de Deus, da criação, da redenção e da natureza e destino do homem. Não encontramos essas concepções elevadas nos livros sagrados das religiões pagãs. Nos mitos da criação do Oriente Próximo, por exemplo, os deuses geralmente encontram descanso ou eliminando deuses importunos ou criando seres humanos para trabalhar a hm de que os deuses descansem.

o sábado da criação, porém, Deus encontra descanso não por haver subordinado ou destruído concorrentes nem por haver explorado o trabalho de seres humanos, mas sim porque realizou uma criação perfeita. Deus descansou no sétimo dia porque terminou "a Sua obra" (Gn 2:2, 3). Ele parou de trabalhar como uma expressão de Seu desejo de estar com Sua criação, para dar às Suas criaturas não apenas coisas, mas a Si mesmo. Esse conceito maravilhoso de um Deus que, durante a criação, penetra no tempo humano e, pela encarnação, penetra na carne humana a hm de Se tornar Emanuel, "Deus conosco", acha-se ausente nas religiões pagãs, onde os deuses normalmente compartilham das fraquezas humanas

A notável natureza da Bíblia também se revela em sua miraculosa preservação ao longo da história, apesar dos incansáveis esforços para destruí-la. Já mencionamos as tentativas feitas no passado por imperadores romanos, lideres de igrejas cristãs e regimes comunistas para suprimir a Bíblia. A despeito de todas essas tentativas premeditadas para destruir o Santo Livro, seu texto chegou até nós essencialmente inalterado. Alguns dos mais antigos manuscritos nos aproximam da composição dos originais, revelando a surpreendente exatidão do texto que chegou até nós. Podemos confiar que nossas Bíblias são versões seguras das mensagens originais.  

Por fim, considerações conceituais e existenciais asseguram a validade da Bíblia. Conceitualmente, a Bíblia oferece uma explicação razoável para a condição humana e a solução divina para os nossos problemas. Existencialmente, os ensinos da Bíblia dão sentido à nossa existência e nos oferecem razões para viver, amar e servir. Por meio deles, podemos experimentar as ricas bênçãos da salvação.

CONCLUSÃO

Fizemos um rápido esboço histórico da controvérsia entre a errância e a inerrância da Bíblia. Assinalamos que a Bíblia está sendo atacada hoje por amigos e inimigos. O pêndulo oscila para ambos os extremos. Por um lado, críticos liberais reduzem a Bíblia a um livro estritamente humano, cheio de erros e desprovido de revelações sobrenaturais e manifestações miraculosas. Por outro lado, alguns evangélicos conservadores sacralizam a Bíblia a tal nível que passam por alto a dimensão humana das Escrituras. Eles declaram, solenemente, que a Bíblia não possui erros de espécie alguma, inclusive em todas as suas referências a história, geografia, cronologia, cosmologia, ciência e assim por diante.

No tundo, tanto a inerrância como a errância são posições extremistas e antibíblicas, visto que minam a autoridade da Bíblia, tornando-a ou demasiado humana ou demasiado divina. A solução para esses extremos se encontra na palavra-chave equilíbrio — equilíbrio que reconheça o caráter tanto divino quanto humano da Bíblia.

A seu modo. o catolicismo minou a autoridade da Bíblia ao declarar que seus ensinos tradicionais representavam a "viva transmissão" da Palavra de Deus. Isso possibilitou que a Igreja Católica, ao longo dos séculos, promulgasse grande número de ensinamentos antibíblicos, responsáveis em grande parte por conduzir inúmeros cristãos à apostasia. A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem historicamente defendido uma concepção equilibrada sobre a Bíblia, reconhecendo o seu caráter tanto divino quanto humano. Os adventistas creem que a Bíblia é produto de uma misteriosa mistura de participação divina e humana. A fonte é divina, os escritores são humanos, mas os escritos contêm pensamentos divinos em linguagem humana. Essa combinação singular nos oferece uma revelação confiável e infalível da vontade de Deus, e um plano para a nossa vida presente e destino futuro. Conforme está declarado nas crenças fundamentais adventistas do sétimo dia: "As Escrituras Sagradas são a infalível revelação de Sua vontade. Constituem o padrão de caráter, a prova da experiência, o autorizado revelador de doutrinas e o registro fidedigno dos atos de Deus na história."

ORAÇÃO NÃO RESPONDIDA

Jesus prometeu que “Qualquer coisa que pedirdes em meu nome, eu o farei”. Na verdade, em João 14, 15 e 16, Jesus repete essa promessa três vezes usando palavras diferentes: “E farei tudo o que pedirdes em meu nome” (Jo 14.13a); “... a fim de que o Pai vos conceda tudo quanto lhe pedirdes em meu nome” (Jo 15.16b); “Em verdade, em verdade vos digo que o Pai vos concederá tudo quanto lhe pedirdes em meu nome” (Jo 16.23b). Evidentemente, Jesus de fato estava falando sério. Tal afirmação é maravilhosa e surpreendente!


No entanto, a dificuldade é que essa promessa não parece ser verdadeira quando entendida de forma inadequada. Com frequência, pregadores podem nos exortar a tomar posse dessa promessa em nossa vida pessoal, a crer nela, além de reivindicá-la para nós mesmos. Contudo, o problema é que não podemos crer nessa promessa, quando ela é entendida de forma inadequada. Afinal, se somos implacavelmente honestos para conosco, cada um de nós sabe que, algumas vezes, Deus não responde nossas orações.


Na verdade, algumas vezes, ele não responde às orações porque os cristãos têm orado por coisas contraditórias.Quando era aluno no Wheaton College, ouvi a respeito de dois rapazes que estavam apaixonados pela mesma garota. Cada um orava para que Deus mudasse os sentimentos dela de forma que pudesse se casar com ela. É evidente que, pelo menos, uma das orações de um dos rapazes não iria ser respondida positivamente. Deus não poderia responder a ambos da mesma forma, uma vez que suas orações eram contraditórias. Você pode também imaginar dois atletas cristãos jogando em times opostos na disputa final do campeonato. Cada um naturalmente estaria disposto a orar para seu time ganhar, e, no entanto, as orações de ambos não poderiam ser respondidas da mesma maneira, porque os dois atletas oraram por resultados contraditórios.


Assim, no dia a dia, cada um de nós já vivenciou a experiência de ter uma oração não respondida. Pedimos a Deus para fazer alguma coisa, alguma coisa cujo objetivo é glorificá-lo, e oramos com fé, mas Deus não realiza. Algumas vezes, uma oração não respondida envolve um clamor por cura. Uma igreja que conheci orava por uma cura miraculosa de um de seus membros. As pessoas realmente criam em Deus e esperavam por um milagre. Mas o homem morreu. Muitas pessoas ficaram profundamente abaladas em sua fé; elas tinham pedido a Deus com fé por alguma coisa em nome de Jesus, e ele não fez. Talvez a promessa de Jesus, no final das contas, não fosse verdadeira — ou pode ser também que a fé não fosse verdadeira.


Não são apenas os leigos cristãos que se confrontam com esse problema. Os líderes espirituais cristãos também passam pela experiência de ter uma oração não respondida. Certa vez, ouvi Cliff Barrows dizer que seus parceiros na equipe de Billy Graham tinham, há muito tempo, cessado de orar por um bom período em favor de suas cruzadas — na verdade, algumas de suas melhores cruzadas tinham se realizado debaixo de chuva. Em seus seminários, Bill Gothard nos conta incríveis histórias, uma atrás da outra, a respeito de como Deus providenciou dinheiro para pagar as contas, mas ele também admite que, “fazendo justiça para com Deus, ele nem sempre realizou o esperado no momento exato”. Em outras palavras, algumas orações ficaram sem resposta.


Ora, alguém poderia objetar: “Mas você não pode usar a experiência humana para julgar as promessas de Deus!” No entanto, o problema dessa objeção é que as próprias Escrituras dão exemplos de oração não respondida. Pense no chamado “espinho na carne” de Paulo — uma indisposição física que ele pediu três vezes para o Senhor remover (2Co 12.7) — , mas Deus não o removeu. Paulo também pediu à igreja de Roma para orar a fim de que pudesse ser liberto dos incrédulos em Jerusalém naquela que seria a sua visita final (Rm 15.31), mas ele não foi liberto. Ao contrário, lemos em Atos 21 que a prisão de Paulo em Jerusalém, por fim, o levou ao martírio. Assim, até mesmo as próprias Escrituras dão exemplos de oração não respondida. Não se pode, portanto, afirmar, de forma inadequada, que qualquer coisa que pedimos simplesmente em nome de Jesus haveremos de receber.


Isso é muito problemático. Afinal, Jesus prometeu que o que pedíssemos em seu nome nós receberíamos. Nesse sentido, sua promessa é vazia? Pior ainda, como Jesus pode ser Deus se ele faz promessas vazias? Como alguém resolve o problema da oração não respondida?


Primeiro, olhemos para soluções inadequadas para esse problema que, com frequência, são usadas por cristãos hoje. Uma solução é simplesmente negar a existência da oração não respondida. Essa é a solução mais radical, mas, apesar disso, é algumas vezes aceita por cristãos bem-intencionados. Por exemplo, quando minha esposa, Jan, e eu fomos para a equipe da Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo, na Northern Illinois University, o nosso movimento recebeu certos cristãos que criam que a cura física estava incluída na expiação de Cristo, e, assim, nenhum cristão jamais precisava ficar doente. Bastava orar a Deus e seria curado!


Bem, o resultado disso foi que alguns de nossos alunos começaram a jogar fora seus óculos, alegando que estavam curados, mesmo sem estarem enxergando melhor. Lembro-me de que, confrontando um deles, perguntei: “Você foi curado?” Ele disse: “Sim, eu fui”. Então, continuei: “Mas você consegue enxergar melhor?” “Não”, ele admitiu. “Então, como você foi curado se não consegue enxergar melhor?”, perguntei. E ele respondeu: “Porque não tive fé suficiente”. E assim esses pobres e míopes alunos tentavam estudar e frequentar as aulas sem seus óculos, alegando que haviam sido curados, mas que lhes faltava fé para crer que Deus tinha respondido às suas orações. Ficaria espantado com o que esses cristãos diriam a respeito de alguém que morreu de câncer, apesar de terem sido feitas orações por cura. Será que diriam que esse alguém estava realmente vivo e bem, e que estava aparentemente morto porque lhes faltava fé? Bom, o que esses cristãos precisavam não era mais fé, mas algum bom senso!


Uma solução menos radical proposta com frequência — mas também inadequada — é que Deus sempre responde à oração. No entanto, suas respostas podem variar entre sim, não e espere. Assim, a oração que recebe uma resposta negativa não é realmente uma oração não respondida. Deus respondeu, dizendo não. Contudo, tal solução é apenas um jogo de palavras.- O que queremos dizer por oração não respondida é a oração que recebe uma resposta negativa. Jesus prometeu que o que pedíssemos em seu nome nós receberíamos. Entretanto, uma vez que a promessa é que ele sempre diz “sim”, tal solução não muda nada na resolução do problema de alguém dizer que Deus realmente respondeu à sua oração só porque Deus disse “não”. Assim, o problema permanece o mesmo, só mudando as palavras. Como pode, então, haver uma oração respondida negativamente?


Uma terceira solução inadequada usada pelos cristãos, algumas vezes, é a racionalização das coisas de forma que se possa dizer que, no final das contas, Deus respondeu à oração. Certa vez, participei de uma reunião em que alguém pediu a Deus para ajudar um homem gravemente doente a sair do hospital. Entretanto, no dia seguinte, o homem faleceu. Na reunião seguinte, a pessoa que tinha conduzido a oração na noite anterior anunciou o falecimento e proclamou triunfantemente que nossas orações haviam sido respondidas. “Nós pedimos a Deus para tirá-lo do hospital e, louvado seja Deus, ele saiu”. Bem, esse tipo de racionalização pode ser um subterfógio bastante desonesto. Estava claro que o intento de nossas orações na noite anterior era para que Deus curasse o homem. Racionalizar uma resposta negativa à oração é ver Deus como um grande gênio da lâmpada de Aladim que realiza a linguagem técnica de nossos pedidos, mas perde totalmente de vista a intenção, a ponto de nos oferecer algo totalmente diferente daquilo que foi pedido. Esse não é o Deus da Bíblia. Por que não ser honesto e admitir que Deus simplesmente não respondeu à oração?


Assim, creio que a devida solução repousa numa direção diferente. Não creio que a promessa de Jesus seja vazia, mas realmente penso que ela deve ser qualificada. Não é simplesmente verdadeiro, e sem qualificação, que você irá receber qualquer coisa que pedir em nome de Jesus. A promessa deve ser qualificada de acordo com o ensino do restante da Escritura.


Qualificar a promessa pode parecer algo angustiante, mas deixeme assinalar que há razões bem fortes para se fazer isso. Outros ensinos de Jesus têm sido qualificados à luz de diferentes passagens da Escritura. Tome o ensino de Jesus sobre o divórcio, por exemplo. Em Marcos 10.11, Jesus faz uma afirmação geral: “Aquele que se divorcia de sua mulher e casa com outra comete adultério contra ela”. Nenhuma exceção é permitida. Mas, em Mateus 19.9, Jesus diz: “Mas eu vos digo que aquele que se divorciar de sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, e se casar com outra, comete adultério”. Aqui, a afirmação anterior é qualificada: há uma exceção que permite o divórcio, a saber, a infidelidade marital da parte de um cônjuge. Ora, estou sugerindo que as promessas de Jesus a respeito de oração também precisam ser qualificadas desse modo. Implícitos nas promessas gerais de Jesus estão certos qualificadores importantes, e, se esses qualificadores não são encontrados, ninguém pode reivindicar a promessa.


Quais são algumas dessas qualificações implícitas à promessa de Jesus? Muitas delas podem ser classificadas, levando-se em consideração o tópico “Obstáculos à oração respondida”. Vejamos alguns deles.


1. Pecado em nossa vida.

Acredito que o obstáculo mais básico que impede a resposta à nossa oração é o pecado não confessado em nossa vida. Naturalmente, a promessa de Jesus pressupõe que a pessoa que ora é um cristão vivendo na plenitude e no poder do Espírito Santo. Um cristão que vive em pecado não confessado ou no poder da carne não pode ter nenhuma confiança de que suas orações serão respondidas. O salmista disse: “Se eu tivesse guardado o pecado no coração, o Senhor não me teria ouvido” (SI 66.18). Num versículo terrivelmente confrontador para nós, homens casados, Pedro escreve: “Da mesma forma, maridos, vivei com elas a vida do lar, com entendimento, dando honra à mulher como parte mais frágil e herdeira convosco da graça da vida, para que as vossas orações não sejam impedidas” (IPe 3.7). Pense nisto: não tratar sua esposa de modo correto pode impedir suas orações! A promessa de Jesus pressupõe a permanência do crente em Cristo, guardando seus mandamentos, andando na luz, cheios do Espírito, e amando os irmãos. Quando você pensa a respeito disso, você inevitavelmente conclui que é somente pela graça de Deus que qualquer uma de nossas orações é respondida!


2. Motivos errados.

Muitas vezes, as nossas orações ficam sem resposta porque os nossos motivos estão errados. Com muita frequência, nossas orações são motivadas pelo egocentrismo — uma espécie de atitude centrada em nossos desejos egomaníacos. Jesus tinha prometido, “pedi, e vos será dado” (M t 7.7), mas Tiago explicou a seus leitores: “Pedis e não recebeis, porque pedis de modo errado, só para gastardes em vossos prazeres” (Tg 4.3). A oração que é totalmente centrada no eu não se encaixa dentro da promessa de Jesus.


Lembro-me de certa vez ter lido um tratado sobre por que não há reavivamento na igreja hoje. Uma das razões descritas num desenho era “Um santo moderno luta contra as forças das trevas”. Tratava-se da descrição de um homem ajoelhando-se ao lado da sua cama e contendendo com Deus em oração: “O, Senhor! Por favor, dá-nos aquela TV que acabou de ser lançada no mercado! Tu sabes o quanto necessitamos dela! Por favor, Senhor, por favor, ajuda-nos a ter aquela TV!” O motivo correto para a nossa oração tem de ter como finalidade a glória de Deus. Por isso, com frequência, no Antigo Testamento, encontramos orações baseadas no desejo de que Deus fizesse algum ato por amor ao seu nome. A oração de Jesus foi para que Deus glorificasse o seu nome (ver João 12.28). Este deveria ser o nosso motivo na oração: pedir coisas a Deus, não para que nossos desejos possam ser satisfeitos, mas para que seu nome possa ser glorificado.


3. Falta de fé.

O próprio Jesus deixou claro que somente crendo é que a oração pode ser respondida com certeza. Ele disse a seus discípulos: “Por isso vos digo que tudo o que pedirdes em oração, crede que já o recebestes, e o tereis” (Mc 11.24). Aqui a promessa é qualificada de tal forma que a oração deve ser acompanhada pela fé. Se você tem fé, sem duvidar, de que Deus responderá ao seu pedido, então ele o responderá. Em contrapartida, o homem dominado pelas dúvidas não pode ter qualquer confiança de que sua oração será respondida. Assim, diz Tiago, ao pedir sabedoria em oração: “Peça-a, porém, com fé, sem duvidar, pois quem duvida é semelhante à onda do mar, movida e agitada pelo vento. Tal homem não deve pensar que receberá do Senhor alguma coisa, pois vacila e é inconstante em todos os seus caminhos” (Tg 1.6-8).


De fato, essa afirmação suscita toda sorte de perguntas difíceis a respeito de como uma pessoa adquire esse tipo de fé e como tal fé pode ser mantida em face da oração não respondida. Não vou tentar tratar de tais questões agora. Deixe-me apenas observar que Jesus também disse que a fé exigida não precisa ser grande, mas que coisas poderosas podem acontecer como resultado de uma fé tão pequena quanto um grão de mostarda (ver Lc 17.6); e quero também relembrar que a fé é um dom de Deus. Nós podemos sempre orar: “Eu creio! Ajuda-me na minha incredulidade” (Mc 9.24). De qualquer forma, meu ponto principal aqui é que uma qualificação a mais deve ser introduzida à promessa de Jesus: devemos orar com fé. 


4. Falta de sinceridade.

Algumas vezes, nossas orações não são respondidas porque, com muita franqueza, realmente não nos preocupamos se elas são respondidas ou não. Ocasionalmente, oramos na reunião de oração por algum pedido e, então, logo nos esquecemos de tudo. Dificilmente, pensamos em perguntar depois como essa oração foi respondida. De fato, não nos preocupamos. Quando Jan e eu estávamos envolvidos no levantamento de recursos para o suporte financeiro de nosso ministério na Europa, não ficamos muito impressionados quando alguém disse: “Vou orar por vocês”. Em outras palavras, o que isso significava era: “Não estou suficientemente interessado em lhes dar suporte financeiro”. Entretanto, se isso é verdade, também duvido de que essa pessoa esteja honestamente interessada em orar com sinceridade.


Infelizmente, cristãos têm a ideia de que o suporte da oração é um compromisso menor do que o suporte financeiro, quando, na realidade, é exatamente o maior. Preencher um cheque a cada mês (ou coisa que o valha) e nunca mais pensar a respeito do assunto são ações que não exigem muito esforço. Porém, como é difícil orar com regularidade e sinceridade por um missionário ou por um obreiro cristão. E exatamente essa oração sincera, esse compromisso sério e profundo de tratar o assunto com Deus em oração, que ele atende. Leia as grandes orações da Bíblia e pergunte para si mesmo se aquelas pessoas eram sinceras ou não. Um belo exemplo é a oração de Ana por um filho em 1 Samuel 1. Ela foi tão intensa em sua oração, tão absorta em cada coisa acontecendo ao seu redor, que o sacerdote na casa do Senhor pensou que ela estivesse bêbada! Mas, naturalmente, o exemplo supremo foi o próprio Jesus, um homem que passava a noite toda em oração a Deus, a ponto de seus discípulos literalmente se cansarem de ter de orar com ele. Leia as orações de Jesus nos evangelhos e pergunte se esse homem não estava sinceramente envolvido em sua oração. As nossas orações podem frequentemente ficar sem resposta porque realmente nos preocupamos muito pouco com o que pedimos.


5. Falta de perseverança.

Intimamente relacionada à sinceridade está a perseverança em oração. Nossa falta de persistência pode ser a razão por que as nossas orações não são respondidas. Desanimamos muito facilmente. Oramos uma ou duas vezes, e então paramos. Alguns cristãos lhe diriam que tudo o que você tem a fazer é orar uma vez a respeito de uma determinada coisa, entregue-a ao Senhor, e, então, descanse e confie nele para tomar conta dela. Mas penso que posso dizer confiantemente que esse não é o ensino de Jesus. Pense na parábola do amigo chegando à meia noite para conseguir pão de seu vizinho (Lc 11.5-8). O vizinho não estava a fim de se levantar da cama, mas, porque seu amigo continuava a bater na porta e não estava a fim de desistir, ele se levantou e lhe deu pão. Quanto mais, diz Jesus, o seu Pai celestial lhe dará!


Ou pense a respeito da parábola da viúva e do juiz (Lc 18.1-8). O juiz injusto não queria responder ao pedido da mulher, mas ela continuou a importuná-lo, de tal forma que ele disse que responderia ao pedido dela ou “vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha mais me perturbar” (Lc 18.5b). O assunto da parábola, diz Lucas, é falar “sobre o dever de orar sempre e nunca desanimar” (Lc 18.1). Se queremos muito alguma coisa, devemos insistir à porta do céu e tocar continuamente a campainha do portal celeste. Na minha experiência e de Jan, algumas das respostas mais dramáticas à oração — como obter dois anos de bolsa de estudos do governo alemão para estudar sobre a evidência da ressurreição de Cristo — vieram como resposta a orações feitas pela manhã e noite num período de vários meses.


Recentemente, experimentei uma resposta dramática e inesperada à oração persistente. Desde que me tornei um cristão na noite de 11 de setembro de 1965, tenho orado para que meus pais pudessem vir à fé em Cristo. Cada dia em minha hora devocional, cinco dias por semana, por mais de trinta anos, orei pela salvação deles — sem sucesso. Eles não eram hostis a Cristo; eles apenas pareciam não sentir nenhuma necessidade dele em suas vidas. Jan e eu tínhamos compartilhado o evangelho com eles diversas vezes e tentado viver vidas exemplares perante eles. Com frequência, falávamos do que Deus estava fazendo em nossas vidas, mas sem qualquer resposta positiva da parte deles. Constantemente, perguntava-me espantado por que Deus fez tão pouco para responder às minhas orações por eles. Eu orava para que ele trouxesse alguém ou alguma influência do evangelho na vida deles, mas nada de concreto acontecia. Imaginei que talvez Deus tenha pensado que já tinha feito alguma coisa, dando-lhes um filho e uma nora envolvidos na obra cristã. Mas eu desejava que Deus fizesse mais. Assim, continuamente orava, mas, francamente, sem muita esperança de, no final, ver uma resposta às minhas orações.


Há um ano, no último verão, Jan e eu estávamos visitando a casa de meus pais perto de Sedona, no Arizona, para onde eles haviam se mudado por causa do clima seco que era benéfico para o mal de Parkinson que meu pai enfrentava. Jan me disse: “Você tem que falar mais uma vez ao seu pai a respeito de receber Cristo, especialmente por causa do avanço da doença. Você pode não ter mais outra oportunidade”. Sabia que ela estava certa, mas meu coração realmente não acreditava. Parecia uma espécie de exercício inútil. Contudo, sentei-me com ele na sala de estar e, com certo senso de embaraço, disse: “Pai, você sabe, nós realmente não podemos estar certos de quanto tempo vai viver ainda. Você realmente precisa pensar a respeito do que acontece quando vai para a eternidade”. Sua resposta me arrasou: “Não penso realmente que haja uma evidência de vida além da morte”, disse ele. Fiquei perplexo! Ali estava um homem prestes a morrer de uma doença debilitante. Você poderia pensar que ele estivesse desesperado para se agarrar a qualquer coisa, que tivesse qualquer esperança de imortalidade, não importa quão implausível fosse! Ao contrário, ele falava a respeito de evidência! De um lado, devo confessar que senti uma espécie de relutante respeito por tal descrença. Ali estava, num certo sentido, a incredulidade com a integridade: ele não iria crer por causa do desespero. Ele queria evidência.


Por outro lado, também fiquei irado, porque ele nunca tinha se importado em procurar evidência quando era capaz de fazer isso, e, agora, estava tão limitado em suas capacidades que não podia sequer investigar a evidência”. Então, disse: “Pai, sou talvez um dos mais importantes especialistas do mundo sobre a historicidade da ressurreição de Jesus. Tenho estudado o assunto há anos, e você conhece os livros que escrevi sobre o assunto. Sua ressurreição dentre os mortos é a evidência da vida além da sepultura e a base para a esperança cristã na vida eterna. Digo-lhe, como um especialista, que a evidência histórica para a ressurreição de Jesus é muito boa. Infelizmente, você está muito doente agora para olhar essa evidência por si mesmo. No entanto, para você se aproximar de Cristo, é preciso dar dois passos de fé. Primeiro de tudo, você terá de confiar em Cristo; segundo, você terá de confiar em mim”.


Ele disse que iria pensar, e o deixamos. Pensei comigo que a reação seria a mesma de sempre. Então, algumas semanas mais tarde, Jan e eu recebemos um telefonema em nossa casa, em Atlanta. Era minha mãe. “Seu pai tem pensado no que você lhe disse”, disse ela, “ele está pronto para tomar aquela decisão”. Fiquei tão atônito que você poderia me derrubar com um mero sopro! Não podia crer que tinha ouvido aquilo. Todos aqueles anos de oração por exatamente isso, e poderia agora realmente ser verdade? Não parecia ser possível; era irreal! Mas lhe explicamos que, numa página específica de um de meus livros que eles tinham, havia uma oração em que se fazia um convite para Cristo entrar na vida como Salvador e Senhor. Nós lhes ensinamos como orar essa oração e lhes pedimos que nos telefonassem de volta tão logo tivessem feito. Não podia crer que isso estava realmente acontecendo, mas no dia seguinte ela nos ligou. “Fizemos a oração juntos, como você disse. Isso levou certo tempo por causa da doença de Parkinson do seu pai”, explicou ela, “Mas já fizemos isso duas vezes. Queria apenas estar segura de que nós dois iríamos para o mesmo lugar”. 


Havia recebido a resposta maravilhosa às minhas persistentes orações. Também aprendi alguma coisa por meio daquela experiência. Percebi que havia crescido em meu coração uma raiz desconhecida de amargura em relação a Deus por causa de sua aparente falta de resposta às minhas orações pelos meus pais. Em todos aqueles anos parecia que ele não tinha feito nada. Mas, agora, vim apreciar o que eu, como um filósofo, tinha conhecido apenas intelectualmente por algum tempo: que Deus pode estar operando providencialmente, para cumprir seus propósitos, de uma forma que nós mesmos somos incapazes de detectar. Ele sabia o tempo todo a melhor resposta para as minhas orações, e eu tinha somente que ser paciente. Não desanime rapidamente em sua oração por alguma coisa. Mostre a Deus que você está falando sério. 


Estes, então, são alguns dos obstáculos à oração não respondida: pecado em nossa vida, motivos errados, fa lta de sinceridade, fa lta de perseverança. Se qualquer um desses obstáculos impede nossas orações, então não podemos reivindicar, com confiança, a promessa de Jesus: “E farei tudo o que pedirdes em meu nome” (Jo 14.13a).


Mas, naturalmente, esse não é o fim da história. Afinal, o que causa frustração em relação à oração não respondida diz respeito aos momentos em que nenhum dos obstáculos mencionados anteriormente parece impedir o caminho, e ainda assim Deus não atende ao nosso pedido. Podemos ter confessado todos os pecados conhecidos em nossa vida, orado com o desejo de glorificar a Deus, e orado com fé, com sinceridade e perseverança, e ainda assim Deus não responde como ele disse que ele faria. Na verdade, é exatamente quando todos esses elementos estão presentes que a experiência da oração não respondida é capaz de ser devastadora e desmoralizante. 


Contudo, há uma qualificação importante e final da promessa de Jesus que precisa ser feita: nosso pedido deve estar de acordo com a vontade de Deus. O apóstolo João deixa isso claro em ljoão 5.14-15: “E esta é a confiança que temos nele: se pedirmos alguma coisa segundo sua vontade, ele nos ouve. Se sabemos que nos ouve em tudo o que pedimos, sabemos que já alcançamos o que lhe temos pedido”. E bem possível que, algumas vezes, nossas orações não sejam respondidas, não por causa de alguma falta nossa, mas simplesmente porque Deus sabe melhor do que nós o que deve ser feito. A nossa perspectiva e a nossa sabedoria são limitadas, mas as de Deus são consideradas do ponto de vista de sua onisciência. Ele sabe, e nós não sabemos, por que algumas vezes é melhor não responder aos nossos pedidos.


Observe que João diz que nossa confiança é que, se nossas orações estão de acordo com a vontade de Deus, ele as responderá. Entretanto, deveríamos sempre temperar os nossos corações com a seguinte atitude: “se é da tua vontade”. Com muita frequência, ouvimos pessoas dizerem o seguinte a respeito da oração: a expressão “Se for da tua vontade” é uma espécie de pieguice, uma espécie de oração excessivamente tímida, que mostra uma falta de intrepidez diante de Deus. Não creio que a Escritura dê suporte a essa asserção. João diz que a nossa confiança não é que Deus responderá às nossas orações, mas que ele responderá às nossas orações que estão de acordo com a sua vontade. O nosso grau de confiança de que ele responderá às nossas orações é proporcional ao grau de confiança de que elas estão em conformidade com sua vontade. Se não estamos seguros de que nossos pedidos expressam sua vontade, é inteiramente apropriado dizer, “se for da tua vontade”. 


A justificação decisiva para esse modo de orar está no fato de que esse é o modo que Jesus orou. No Jardim do Getsêmani, ele pediu que Deus evitasse a crucificação, mas acrescentou: “todavia, não seja feita a minha vontade, mas a tua” (Lc 22.42). Pedir segundo a vontade de Deus é uma expressão de humildade e submissão a ele. E reconhecer que ele sabe melhor do que nós, e que nós queremos sua vontade mais do que queremos nossos pedidos. Quando Paulo orou para que Deus o curasse de seu espinho na carne, Deus declinou de seu pedido, dizendo: “A minha graça te é suficiente, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12.9a). A resposta de Paulo? “Por isso, de muito boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, a fim de que o poder de Cristo repouse sobre mim. Por isso, eu me contento nas fraquezas, nas ofensas, nas dificuldades, nas perseguições, nas angústias por causa de Cristo. Pois, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Co 12.9b-10). Paulo queria ser curado, sim, mas ele queria, ainda mais, a vontade de Deus para sua vida. A nossa atitude deveria ser a mesma.


Se queremos que nossas orações sejam respondidas, devemos orar de acordo com a vontade de Deus. Mas como sabermos quais coisas representam sua vontade? Bem, talvez o melhor caminho para discernir isso é ler as orações da Bíblia para ver pelo que os grandes homens oravam. Creio que podemos ficar um pouco surpresos. Leia as orações de Paulo em suas epístolas. Por exemplo: 


  • para que Deus desse aos Efésios um espírito de sabedoria no conhecimento dele;

  • para que eles conhecessem a esperança para a qual eles haviam sido chamados; as riquezas da herança nos santos; a grandeza do poder de Deus;

  • para que eles fossem fortalecidos através do Espírito Santo na vida interior;

  • para que Cristo viesse morar em seus corações pela fé;

  • para que eles, sendo radicados em amor, tivessem a capacidade de conhecer o insondável amor de Cristo, de forma que eles pudessem ser cheios da plenitude de Deus. 


Em Filipenses, Paulo orou:

  • para que o amor dos filipenses aumentasse cada vez mais em conhecimento e em toda a percepção, para discernirem o que é melhor, a fim de serem puros e irrepreensíveis até o dia de Cristo, para glória e louvor de Deus. 


Em Colossenses, Paulo orou:

  • para que os colossenses fossem cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda sabedoria e entendimento espiritual, e para que vivessem de maneira digna do Senhor e em tudo o agradassem, frutificando em toda boa obra, crescendo no conhecimento de Deus e sendo fortalecidos com todo o poder.


Nas cartas aos Tessalonicenses, Paulo pediu:

  • para que o Senhor fizesse os corações dos tessalonicenses aumentar e abundar em amor de uns para com os outros e para com todos os homens, de forma que eles fossem irrepreensíveis em santidade no retomo de Cristo;

  • para que o Senhor confortasse os seus corações e os firmasse em toda boa obra e ação.


E na carta a Filemon, Paulo orou:

  • para que o compartilhar da fé de Filemom promovesse o conhecimento de todo bem que é nosso em Cristo.


São essas as coisas pelas quais oramos? Por que não?


Suspeito que, com muita frequência, oramos simplesmente por coisas erradas. O que desejamos não é o que Deus deseja, e assim as nossas orações vão para o lado errado. As nossas orações serão respondidas somente quando os nossos desejos estiverem em harmonia com os desejos de Deus.


Agora, a essa altura, duas objeções poderiam ser levantadas. Primeiro, alguém poderia dizer que qualificamos tanto a promessa original de Jesus que nós a matamos por causa dessas demasiadas qualificações. Por isso, há uma enorme diferença entre dizer que “eu farei tudo o que vocês pedirem em meu nome” e “tudo o que vocês pedirem em meu nome, se vocês não tiverem nenhum pecado não confessado em suas vidas, se seus motivos forem puros, se tiverem fé, se forem sinceros e perseverantes nos seus pedidos, e, no topo de tudo, se essa é a vontade de Deus, então responderei”. Posso sentir a influência dessa objeção, mas, no final, não creio que ela permanecerá, porque tenho certeza de que, quando Jesus fez essa promessa original, ele naturalmente pressupôs as qualificações que listamos e concordaria com elas se pudéssemos lhe pedir isso hoje. Na verdade, como vimos, a maioria dessas qualificações vem de seus próprios ensinos. 


Com respeito às estipulações relativas à vontade de Deus, sua promessa geral não é incompatível com essa qualificação. Por exemplo, em ljoão 5.14, João especifica que a oração deveria ser feita de acordo com a vontade de Deus, mas, em parágrafos anteriores, faz uma promessa geral quase igual à que Jesus fez: “Amados, se o coração não nos condena, temos confiança para com Deus; e qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos, pois guardamos seus mandamentos e fazemos o que é agradável à sua vista” (IJo 3.21,22). Assim, no decorrer de uma única carta, João diz que, se as nossas vidas agradam a Deus, nós recebemos qualquer coisa que pedimos (3.21,22), e que, se pedimos qualquer coisa de acordo com sua vontade, nós recebemos o que pedimos (5.14). João não pensou que a qualificação de 5.14 anulasse a promessa feita em 3.21,22. Por que deveria Jesus ter pensado de modo diferente? 


Se pararmos para refletir sobre isso, chegaremos à conclusão de que seria uma receita desastrosa Deus simplesmente nos dar qualquer coisa que pedirmos. Afinal, nós sempre oraríamos para sermos libertos de qualquer sofrimento ou provação, mesmo sabendo pela Escritura que o sofrimento edifica o caráter, e a provação aperfeiçoa a nossa fé. Se Deus nos desse qualquer coisa que pedíssemos, nós seríamos imaturos, filhos mimados, e não homens e mulheres de Deus. Por outro lado, penso que as palavras de João também podem indicar que, quando nós guardamos os mandamentos de Cristo e crescemos à semelhança dele, as nossas vontades vêm a coincidir mais e mais com a vontade de Deus, de forma que podemos ter confiança de que receberemos o que pedirmos. Contudo, mesmo o homem santo mais parecido com Cristo, e mesmo o próprio Cristo, por causa de nossa perspectiva limitada, devem algumas vezes orar: “Não seja feita a minha vontade, mas a tua”.


A segunda objeção é dizer que, quando oramos “seja feita a tua vontade , a promessa de Jesus de responder às nossas orações se torna infalsificável. Em outras palavras, não há como saber se sua promessa é realmente verdadeira, porque toda vez que orarmos por alguma coisa e não a recebermos poderemos sempre dizer: “Não era vontade de Deus! Portanto, a promessa parece vazia. Contudo, essa objeção revela falta de entendimento sobre como sabemos que a nossa fé cristã é verdadeira. A nossa confiança na verdade do cristianismo em geral e na promessa de Jesus em particular não se baseia na evidência da oração respondida. A nossa confiança na verdade de nossa fé se baseia no testemunho do Espírito Santo, confirmado pela razão. A oração é uma das dimensões da vida de fé, não da apologética. A vida cristã é um andar pela fé, e é estritamente irrelevante saber se as promessas de Deus são falsificáveis ou não. A questão é a seguinte: nós pensamos que o cristianismo é verdadeiro (ou presumivelmente não nos teríamos tornado cristãos), e assim colocamos a nossa confiança nas promessas de Deus. Por consequência, essa objeção se fundamenta num entendimento errôneo acerca da base da fé cristã.


No entanto, se não há nenhuma objeção a esse entendimento acerca da oração e da vontade de Deus, há ainda aqui um perigo real, que tenho experimentado, ou seja, a timidez na oração. Isso significa que, por estarmos incertos acerca da vontade de Deus numa situação específica, não sabemos por que orar. Assim, ficamos temerosos de pedir a Deus alguma coisa, receando orar por algo fora de sua vontade. Se um amigo está doente, devemos orar para que Deus o cure ou para que Deus lhe dê coragem e fé em seu sofrimento? Se estamos desempregados, devemos orar por um emprego ou pela atitude de contentamento enquanto aprendemos a ser humilhados? Se alguém tem passado por uma provação, deveríamos orar por libertação ou por firmeza? Podemos ficar tão intimidados por não saber pelo que orar que cessamos de orar, o que certamente não é a vontade de Deus. O que deveríamos fazer?


Bem, louvado seja o Senhor, porque há um ministério do Espírito Santo especialmente apropriado para esse problema! Paulo dirige-se exatamente a esse problema em Romanos 8.26,27 — “Do mesmo modo, o Espírito nos socorre na fraqueza, pois não sabemos como devemos orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos que não se expressam com palavras. E aquele que sonda os corações sabe qual é a intenção do Espírito; ele intercede pelos santos, segundo a vontade de Deus”. Podemos não saber pelo que orar, mas o Espírito Santo toma as nossas orações e as traduz, em conformidade com a vontade de Deus diante do trono da graça. Com tal intercessor divino, podemos orar com intrepidez — mesmo dentro de nossa perspectiva limitada — e confiar que o Espírito Santo tem intercedido de acordo com a vontade de Deus. Portanto, seja intrépido em suas orações e, sem rodeios, peça a Deus por aquilo que você pensa ser o melhor, usando sua sabedoria e discernimento espirituais. Esse também foi o procedimento de Paulo. Com intrepidez, pediu a Deus para curá-lo. Com frequência, o apóstolo também pedia às igrejas para orarem por sua libertação de seus perseguidores, embora saibamos que, no final, a vontade Deus para Paulo era diferente. Ore de acordo com sua sabedoria e de acordo com o desejo do seu coração, e confie que o Espírito Santo intercede por você, de acordo com a vontade de Deus. 


Concluindo, creio que seja óbvio que essa discussão tenha enormes implicações práticas para a nossa vida. Afinal, embora tenhamos nos concentrado na oração não respondida — visto que se trata de um assunto problemático — fica claro, a partir da promessa de Jesus, que a oração não respondida deve ser a exceção, não a norma, de nossa vida de oração. Uma vez que o cristão permanece em Cristo, as respostas às suas orações deveriam ser a sua experiência regular. Ora, o que dizer a respeito da sua vida de oração? Você tem apenas prosseguido de qualquer forma na vida cristã, nunca vendo Deus realmente operar em resposta às suas orações? Quando foi a última vez que você moveu as mãos de Deus através da oração?


Se você não está satisfeito com a sua vida de oração, pode ser o tempo agora de fazer um inventário dos obstáculos às orações respondidas em sua vida. Qual é o pecado não confessado? Qual área de impureza de sua vida você tem racionalizado ou escondido de Deus? Que lugar do seu coração você ainda não abriu a Cristo nem entregou ao seu senhorio? Com egoísmo, você tem apenas orado por coisas que você possa usufruir em suas paixões? Ou você tem procurado realmente a glória de Deus? Você realmente acredita que Deus responde as suas orações? Ou você tem se tornado tão acostumado à falta de respostas que tem sido embalado numa letargia espiritual, em que não há nenhuma expectativa de resposta, e, por consequência, não tem recebido nenhuma resposta de Deus? Você realmente se preocupa se ele responde ou não? Você vai a Deus com um desejo ardente e intenso de obter respostas? Você ora uma vez e depois se esquece, ou você vem a Deus constantemente? Você luta com Deus, dizendo como Jacó, “não te deixarei ir se não me abençoares” (Gn 32.26b)? Em resumo, você ora porque isso é o que se espera dos cristãos, ou você fala sério com Deus?


Se você é sério em sua oração, deixe-me lhe fazer esta sugestão: separe algum tempo amanhã — ou mesmo hoje — , faça um inventário dos impedimentos à oração em sua vida. Arrependa-se, peça perdão a Deus e comece sob nova forma. Elabore uma lista de oração sobre pessoas específicas e coisas pelo que orar nos diferentes dias da semana, e, então, separe tempo para orar cada dia por elas. Seja específico e faça um check list em vermelho em cada pedido respondido. Quando você perceber Deus trabalhando, a sua fé aumentará à medida que você aprende a confiar nele mais e mais.


Se você já possui uma vida eficaz de oração, mas tem tido dificuldades com certas orações não respondidas, é preciso confiar em Deus para a sua perfeita vontade. Reflita sobre a sua onisciência e sua bondade. Se você lhe pedir pão, ele lhe dará uma pedra? (M t 7.9). Se você lhe pedir peixe, ele lhe dará um escorpião? (Lc 11.12). Deus lhe dará o que está decretado em sua vontade boa, perfeita e agradável. Nem sempre você vai conseguir o que pedir, mas Deus sabe melhor o que servirá para fazer o seu reino crescer. Você deve confiar nele para as suas respostas. A oração é um trabalho duro, mas as promessas da oração são grandes. Portanto, esforcemo-nos para nos agarrar a tais promessas.

 

terça-feira, 21 de março de 2023

INERRÂNCIA BÍBLICA

 INERRÂNCIA BÍBLICA

 A questão da inspiração e autoridade da Bíblia raramente preocupou os cristãos até um século atrás. Eles olhavam para as Escrituras como a fonte de sua crença. Aceitavam a autoridade da Bíblia sem defini-la em termos de estar isenta de erro. Nenhum dos principais credos católicos ou protestantes discute a noção de possíveis erros na Bíblia. Somente a partir do século 19 essa questão dominou o cenário religioso.

Um fator importante que contribuiu para isso foi o impacto negativo da crítica liberal, que, conforme mencionado anteriormente, reduziu a Bíblia a uma coleção de documentos religiosos cheios de erros e dificuldades textuais. Esse movimento crítico fez com que muitos cristãos abandonassem seu compromisso para com a infalibilidade da Bíblia. A fim de defender a posição cristã tradicional sobre a inspiração e autoridade da Bíblia contra os ataques dos críticos liberais, cristãos conservadores desenvolveram o que se tornou conhecido como "Doutrina da Inerrância Bíblica".

Definir a doutrina da inerrância bíblica não é fácil porque ela ocorre de diversas formas. Davi d Dockery, erudito conservador dos batistas do sul, identificou nove tipos, que variam desde o ditado mecânico até à inerrância funcional.1' Em consonância com a finalidade de nosso estudo, limitaremos nossos comentários aos dois pontos de vista mais comuns de inerrância, conhecidos como inerrância "absoluta" e "limitada".


Inerrância absoluta

Dockery fornece uma requintada definição de "inerrância absoluta" a partir da perspectiva de um defensor: "Descobriremos que a Bíblia em seus autógrafos originais, devidamente interpretada, é fielem tudo quanto afirma no que diz respeito a todas as áreas da vida, da fé e da prática."


 O Concílio Internacional de Inerrância Bíblica, criado para defender a merrância das Escrituras contra os ataques de críticos liberais, formulou um conceito parecido. Em 1978, cerca de 300 líderes de igrejas e pesquisadores evangélicos se reuniram em Chicago para participar de uma conferência patrocinada por essa entidade. Após três dias de deliberações, publicaram o que ficou conhecido como The Chicago Statement on Biblical Inerrancy [A Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia].


A declaração propõe-se a defender a posição de inerrância bíblica contra as concepções liberais da crítica da Bíblia. Os abaixoassinados procediam de uma diversidade de denominações evangélicas e incluíam eruditos de renome como James Montgomery Boice, Cari F. H. Henry, Roger Nicole.J. I. Packer, Francis Schaeffer e R. C. Sproul. A declaração explica em detalhes os artigos formados por proposições paralelas do tipo "Afirmamos tal coisa" e "Negamos tal coisa". Para o propósito deste estudo, citamos apenas as declarações mais importantes:


"Afirmamos que, em sua totalidade, a Bíblia é inerrante, estando isenta de toda falsidade, fraude ou engano. Negamos que a infalibilidade e a merrância da Bíblia estejam limitadas a assuntos espirituais, religiosos ou redentores, excluindo informação de natureza histórica e científica. [...] Tendo sido inteira e verbalmente dada por Deus, a Bíblia não possui erro ou falha em tudo quanto ensina, quer naquilo que declara a respeito dos atos de Deus na criação e dos acontecimentos da história mundial, quer na sua própria origem literária sob a direção de Deus, quer no testemunho que dá sobre a graça salvadora de Deus na vida das pessoas. [...] Negamos que Deus, ao lazer esses escritores usarem as próprias palavras que Ele escolheu, tenha anulado suas personalidades [...].


 "Afirmamos que, estritamente falando, a inspiração diz respeito apenas ao texto autográfico das Escrituras, o qual, pela providência de Deus. pode-se determinar com grande exatidào a partir de manuscritos disponíveis."


Essa definição se assemelha à teoria do ditado verbal, negado pelo estilo literário singular de cada escritor e pela existência de discrepâncias nos textos bíblicos. No entanto, muitos evangélicos consideram a aceitação dessa posição uni marco decisivo de ortodoxia. Equiparam a autoridade da Bíblia com sua inerrância, porque presumem que, se a Bíblia não se mostrar infalível em questões seculares, então não pode ser confiável em áreas religiosas mais importantes. Eles chegam ao extremo de afirmar que os cristãos não podem ser evangélicos legítimos a menos que creiam na absoluta inerrância da Bíblia. Acreditam que a negação dessa crença leva à rejeição de outras doutrinas evangélicas e ao colapso de qualquer denominação ou organização cristã. Mostraremos em breve que essas alegações não têm fundamento bíblico nem histórico.


Inerrância limitada

Simpatizantes da inerrância limitada opõem-se à ideia de condicionar a autoridade da Bíblia à sua isenção de erros. Eles restringem a exatidão da Bíblia apenas a questões de salvação e ética. Acreditam que a inspiração divina não impediu os escritores bíblicos de cometerem "erros" de natureza histórica ou científica, visto que esses não afetam a nossa salvação. Para eles, a Bíblia não é isenta de erros em tudo quanto diz, mas é infalível em tudo quanto ensina a respeito de fé e prática.


Um bom exemplo desse posicionamento é a obra de Stephen T. Davis. Em seu influente livro TJie Debate About the Bible: Inerrancy Versus Infalibility [O Debate Sobre a Bíblia: Inerrância Versus Infalibilidade], Davis escreve: "A Bíblia é inerrante se, e somente se, não faz declarações falsas ou desencaminhadoras sobre qualquer tema. A Bíblia é infalível se, e somente se, não faz declarações falsas ou desencaminhadoras sobre qualquer questão de fé e prática. Nesses sentidos, eu, pessoalmente, acho que a Bíblia é infalível, mas não inerrante."


As muitas restrições impostas à merrância com o fim de resgatar a credibilidade da teoria fazem tanto sentido para o leigo mediano quanto expressões do tipo "a quadratura do círculo". Em última análise, o que se discute não é se a Bíblia está isenta de erros, mas se ela e confiável para nossa salvação. Argumentar que a inspiração divina impediu os escritores bíblicos de cometer erros em questões de fé e prática, mas lhes permitiu cometer erros ao lidar com questões históricas e científicas, significa criar uma dicotomia absurda.


Seria o mesmo que dizer que a supervisão do Espírito Santo (inspiração) foi parcial e descontinuada, dependendo do assunto abordado. Tal ponto de vista é negado pela clara afirmação de que "Toda a Escritura é inspirada por Deus" (2Tm 3:16; itálico acrescentado). O que se discute aqui não é se a Bíblia foi inspirada no todo ou em parte, mas em que sentido o Espírito Santo influenciou os escritores bíblicos a fim de garantir a fidedignidade de suas mensagens. Abordaremos essa questão na última parte deste capítulo.


Uma breve história do debate sobre a inerrância

Antes de analisar alguns dos problemas referentes à tese da inerrância absoluta, é útil fazer um breve relato de sua história. Em seu artigo sobre "Inerrância Bíblica", Stephen L. Andrews apresenta um = 'i=' levantamento conciso do debate sobre o tema.  Ele chama a atenção para o fato de que a maioria dos historiadores faz remontar a origem do debate sobre a inerrância entre os evangélicos ao fim do século 19, quando críticos liberais e fundamentalistas se digladiaram. Os chamados teólogos de Princeton, A. A. Hodge e B. B.Warfield, foram os mais influentes na defesa da doutrina da inerrância bíblica.


 A tese da inerrância, desenvolvida pelos teólogos de Princeton, pressupõe que a Bíblia, para ser a "Palavra de Deus" no verdadeiro sentido, deve ser merrante. Em termos bem simples, o raciocínio deles é o de que, se Deus é perfeito, a Bíblia deve ser perfeita (merrante), porque é a Palavra de Deus. Essa visão absoluta de inspiração, apesar dos protestos em contrário, resulta numa concepção de inspiração "verbal", o que minimiza o fator humano. Esse ponto de vista foi combatido por James Orr e G. C. Berkouwer, ambos defensores da tese da inerrância limitada.


A Batalha de Haroid Lindsel! em Favor da Bíblia

O debate começou a esquentar novamente na década de 1960, atingindo seu ponto de ebulição em 1976 com a publicação de The Battle for lhe Bíble LA Batalha em Favor da Bíblia], de Haroid Lindsell. Em seulivro, Lindsell faz todo o possível para demonstrar o impacto negativo que a tese da inerrância limitada supostamente causaria sobre as igrejas e seminários evangélicos. Ele chega mesmo a nomear os principais estudiosos evangélicos que se afastaram da doutrina evangélica cardeal da inerrância absoluta, passando a ensinar a inerrância limitada.


As reações de ambos os lados foram intensas. O Seminário Teológico Fuller defendeu sua posição em favor da inerrância limitada publicando uma coleção de ensaios organizados por Jack Rogers, um professor da instituição. Numa reação contrária, fundou-se o Concílio Internacional Sobre Inerrância com o propósito declarado de defender a inerrância absoluta da Bíblia, conforme expressa na Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia, citada anteriormente.


No ano seguinte, Lindsell escreveu a segunda parte de sua obra, Tíie Bíble in the Balance [A Bíblia na Balança], na qual responde às críticas produzidas por seu livro anterior. Desde 1980, um exército de evangélicos eminentes tem aderido ao debate. Esse abrandou um pouco, mas continua a dividir profundamente os evangélicos: inerrantistas ~ absolutos versus inerrantistas limitados. Ao que parece, o que alimenta o debate e faz o povo cristão lutar entre si a esse respeito é o interesse em defender interpretações denominacionais de doutrinas-chaves. A preocupação básica parece ser a interpretação das Escrituras, em vez de sua inerrância.


Avaliação da inerrância absoluta

A teoria da inerrância bíblica absoluta baseia-se, em grande parte, mais no raciocínio dedutivo do que numa análise indutiva dos textos bíblicos. O argumento básico pode ser resumido em três proposições: (1) a Bíblia é a Palavra de Deus; (2) Deus nunca é o autor de erros; (3) portanto, a Bíblia está isenta de erros.


Lindsell expressa essa opinião claramente quando diz: "Uma vez estabelecido que as Escrituras são 'inspiradas por Deus', segue-se axiomaticamente que os livros da Bíblia estão isentos de erros, sendo confiáveis em toda e qualquer matéria."16 Em outras palavras, para os inerrantistas, como diz Everett Harnson, "a inerrância é o resultado natural da inspiração total"


Esse é um bom argumento? Será que inspiração implica merrância absoluta, ou seja, um texto livre de imprecisões ou de qualquer tipo de erros? A Bíblia testifica de sua própria inspiração, mas não de inerrância para todas as informações que transmite. Ela nunca define inspiração em termos de isenção de erros. Em vão se procurará uma passagem bíblica que ensine não haver a possibilidade de declarações imprecisas ou erradas. A razão é que seus escritores não eram apologistas nem doutores em teologia sistemática, obrigados a lidar com as concepções críticas da atualidade acerca da Bíblia.


As duas declarações clássicas sobre inspiração nos dizem que "toda a Escritura é inspirada por Deus" (2Tm 3:16), e "nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo" (2Pe 1:21). A questão é: em que sentido é a Bíblia "inspirada-soprada por Deus" e escrita pelo "impulso" do Espírito Santo?


Foi a Bíblia "inteira e verbalmente dada por Deus", como afirma a Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia? Deus fez os escritores bíblicos "usarem as próprias palavras que Ele escolheu"? Parece improvável. Sabemos que os escritores bíblicos não registraram passivamente o que Deus lhes sussurrou aos ouvidos, pois cada um deles usou seu próprio estilo de escrever e as fontes de que dispunha. E fato conhecido que diversos livros da Bíblia foram compilados a partir de documentos mais antigos, tais como histórias de reis, genealogias e tradições orais. A falibilidade dessas fontes se reflete claramente nas discrepâncias que encontramos na Bíblia. Alguns exemplos serão suficientes para ilustrar esse ponto.


Exemplos de discrepâncias na Bíblia

Num artigo intitulado "The Question of Inerrancy in Inspired Writings" [A Questão da inerrância em Escritos Inspirados]. Robert Olson. ex-diretor do Ellen White Estate e meu antigo professor da área de Bíblia , apresenta um impressionante catálogo de inexatidões bíblicas com que se defrontam os estudiosos. Por amor à brevidade, transcrevemos apenas as duas primeiras listas do catálogo:


"1. Incertezas históricas. Davi matou 40 mil homens a cavalo (2Sm 10:18) ou 40 mil homens a pé (ICr 19:18)? Jesus curou o cego Bartímeu ao Se aproximar da cidade de Jencó (Lc 18:35) ou quando saía dela (Mc 10:46)? Era Hobabe cunhado de Moisés  (Nm 10:29) ou sogro (Jz 4:11)? O galo cantou uma vez quando Pedro negou ao Senhor (Mt 26:34, 69-75) ou duas vezes (Mc 14:66-72)? Cama (Lc 3:36) se situa genealogicamente entre Sala e Arfaxade, ou não (Gn 11:12)?


"2. Problemas numéricos e cronológicos. Os que morreram da praga foram 24 mil, conforme Números 25:9, ou foram 23 mil, conforme l Coríntios 10:8? Possuía Salomão 40 mil estrebarias de cavalos (IRs 4:26) ou eram 4 mil (2Cr 9:25)? Tinha Joaquim dezoito (2Rs 24:8) ou oito (2Cr 36:9) anos quando começou a reinar? Acazias chegou ao trono com a idade de 22 (2Rs 8:26) ou 42 (2Cr 22:2) anos? Davi era o oitavo filho de Jessé (lSm 16:10, 11) ou o sétimo filho (lCr 2:15)? O período dos juizes durou 450 anos (At 13:20) ou cerca de 350 anos, como seria necessário para que l Reis 6:1 esteja correto?"


Os resultados do recenseamento ordenado por Davi e levado a cabo por Joabe, chefe de seu exército, apresentam discrepâncias semelhantes. De acordo com 2 Samuel 24:9,Joabe relatou ao rei que "havia em Israel oitocentos mil homens de guerra, que puxavam da espada; e em Judá eram quinhentos mil". Mas em l Crónicas 21:5, Joabe informou a Davi que "havia em Israel um milhão e cem mil homens que puxavam da espada; e em Judá eram quatrocentos e setenta mil homens que puxavam da espada". Não resta dúvida de que os dois conjuntos de números são bastante diferentes. Um deles é inexato.


Outro exemplo é o preço pago por Davi a Araúna, o jebuseu. pela propriedade na qual o rei edificou um altar e ofereceu nele sacrifícios para fazer cessar a praga que dizimava o povo. De acordo com 2 Samuel 24:24, Davi pagou 50 ciclos de prata pela eira, mas de acordo com l Crónicas 21:25, a soma paga foi de 600 ciclos de ouro. A diferença entre 50 ciclos de prata e 600 ciclos de ouro é gigantesca, podendo dificilmente ser explicada corno um erro cometido DÓI escriba.


O Espírito Santo permitiu as discrepâncias

O que parece é que os dois escritores usaram duas fontes diferentes. O Espírito Santo poderia ter contornado o problema das fontes conflitantes sussurrando os números corretos ao ouvido dos dois escritores.Tal método teria eliminado as discrepâncias e evitado os debates académicos. Mas o fato é que o Espírito Santo preferiu não sustar nem reprimir as faculdades humanas dos escritores com o objetivo de garantir precisão absoluta. Em vez disso, optou por permitir erros que não afetam nossa fé e prática. E insensato dizer a Deus que tipo de Bíblia Ele deveria ter produzido para que os livros sagrados fossem inspirados e inerrantes.

Não temos o direito de definir "inspiração" de acordo com nossos critérios subjetivos de inerrância, a fim de enfrentar o desafio dos estudos críticos da Bíblia. Ao contrário, precisamos simplesmente olhar e ver o tipo de Bíblia que foi produzido sob a supervisão (inspiração) do Espírito Santo. Quem olha para a Bíblia com a mente aberta concorda realmente "'"''* com a alegação de que ela é inspirada e autorizada para determinar nossas crenças e práticas, mas não para validar a pretensão de que ela é isenta de erros.


Eram os manuscritos originais isentos de erros? Defensores da inerrância absoluta alegam que somente os manuscritos originais eram inerrantes, mas não a Bíblia atual. Isso significa que as discrepâncias e erros existentes seriam supostamente resultado da transmissão do texto bíblico. Os exemplares originais dos diversos livros da Bíblia estariam isentos de erros porque Deus inspirou os escritores bíblicos a escreverem com exatidão. O apelo aos manuscritos originais para justificar os erros existentes na Bíblia deixa uma porta de escape permanentemente aberta para os merrantistas. Não importa quão patente seja um erro, eles podem sempre se desviar da questão alegando que se trata de um erro de transmissão, não presente na versão original. Esse argumento, como ressalta Stephen Davis,"parece intelectualmente desonesto, principalmente quando não existem indícios textuais de que o erro suposto se deve de fato a um problema de transmissão".


O estudo científico das leituras variantes dos manuscritos bíblicos avançou tanto que os pesquisadores de hoje podem estabelecer com surpreendente exatidào a leitura dos manuscritos originais. Além do mais, esses problemas são poucos em comparação ao conteúdo de toda a Bíblia, e não afetam os seus ensinos.


Um único erro torna suspeita toda a Bíblia?

Alguns inerrantistas afirmam que, a menos que a Bíblia esteja isenta de erros em cada uma de suas declarações, a fidedignidade de todos os ensinos se torna suspeita. Nas palavras de Dan Fuller:"Se somente uma de suas declarações [da Bíblia] estiver errada, a verdade de qualquer outra declaração se torna questionável."


O problema com esse argumento é que ele condiciona a fidedignidade dos ensinos bíblicos à exatidão absoluta em detalhes históricos, geográficos e científicos. No entanto, em parte alguma os escritores bíblicos alegam que todas as suas declarações são infalíveis. A razão disso é que,.para eles, os acontecimentos ou as mensagens principais 35" eram mais importantes do que seus detalhes circunstanciais.


Um exemplo será suficiente para ilustrar esse ponto. Marcos nos diz que, ao enviar os discípulos em uma missão evangelísticajesus lhes permitiu levar um bordão:"Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, exceto um bordão; nem pão, nem alforje, nem dinheiro" (Mc 6:8).


No entanto, Mateus e Lucas relatam Jesus proibindo especificamente o uso de bordão: "Não vos provêreis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos cintos, nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão" (Mt 10:9,10; itálico acrescentado). "Nada leveis para o caminho: nem bordão, nem alforje, nem pão, nem dinheiro" (Lc 9:3; itálico acrescentado).


Fica evidente que os dois relatos são contraditórios e que pelo menos um dos Evangelhos está equivocado. Mas essa incoerência não destrói a confiança no evento relatado, a saber, Cristo comissionou os discípulos. Ao que parece, para os autores dos Evangelhos, os eventos eram mais importantes do que os detalhes.


A credibilidade das grandes doutrinas da Bíblia não depende da precisão de detalhes circunstanciais. E infundado o temor de que, se a inerrância cair por terra, as grandes doutrinas da Bíblia também cairão. Para ser franco, muitos cristãos que não avalizam a teoria da inerrância absoluta crêem nessas doutrinas.


A compreensão católica sobre a natureza da Bíblia

Documentos oficiais católicos não discutem a questão da exatidão do texto bíblico. Para a Igreja Católica, a exatidão da Bíblia é um fato indiscutível, fundamentado em sua crença, claramente formulada no novo Catecismo da Igreja Católica, de que "a Sagrada Escritura é o discurso de Deus enquanto redigido sob a moção do Espírito Santo".


Isto soa como unia "Teoria do Ditado", já que o próprio catecismo define a Bíblia como o discurso de Deus registrado "sob a moção do Espírito Santo". O problema com o ensino católico é duplo. Por um lado, tenta fazer da Bíblia um livro estritamente divino que deve ser reverenciado como o corpo de Cristo. Por outro lado, enaltece a Tradição, isto é, os ensinos tradicionais da Igreja Católica, ao mesmo nível da natureza divina da Bíblia


 O Catecismo explica que a Sagrada Escritura é a Palavra de Deus escrita, enquanto a Tradição é a transmissão viva da Palavra de Deus confiada à igreja. Em outras palavras, Deus Se revela através de duas agências: a Bíblia e os ensinamentos tradicionais da Igreja Católica.


Citando o documento Dei Verbum ("Palavra de Deus"), do Concílio Vaticano II, assim reza o Catecismo: "Portanto, a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e compenetradas entre si." Diz mais: "A Sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, [...] donde resulta, assim, que a igreja não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência.'


Essa declaração oficial expressa com surpreendente clareza o ensino católico de que Scnptnra et Tradition (ou seja, Escritura e Tradição) são os dois canais da revelação divina e constituem a autoridade normativa para a definição de crenças e práticas católicas.


Avaliação da visão católica

Ao fazer de seus ensinos tradicionais a "transmissão viva" da Palavra de Deus, "realizada pelo Espírito Santo", a Igreja Católica reduziu em grande parte e substituiu por fim a autoridade da Bíblia. O cardeal James Gibbons reconhece esse fato quando declara: "As Escrituras sozinhas não contêm todas as verdades nas quais um cristão deve crer, tampouco prescreve de maneira expressa todos os deveres que ele está obrigado a praticar."


Num tom semelhante, John L. McKenzie, professor da Universidade Notre Dame, afirma: "A Bíblia é a Palavra de Deus, mas foi a igreja que proferiu a palavra. E a igreja que dá a Bíblia ao crente."28 Ao exaltar sua autoridade de ensinar, conhecida como Magistério, acima da autoridade da Bíblia, a Igreja Católica conseguiu promulgar, ao longo dos séculos, inúmeros dogmas que violam flagrantemente os inequívocos ensinos da Bíblia. Analisaremos nos próximos capítulos alguns ensinamentos católicos que são populares e antibíblicos: imortalidade 37r: da alma, santidade do domingo, primazia papal, batismo infantil, veneração e intercessão de Maria e dos santos, penitência, indulgências, purgatório e tormento sem fim no inferno.


Precisa a Escritura ser suplementada pela tradição?

Constitui rematada arrogância uma igreja alegar que seus ensinos são a "transmissão viva" da Palavra de Deus, a qual conduz os fiéis à "verdade plena", apenas parcialmente contida nas Escrituras. Mas é isso o que a Igreja Católica afirma: "A comunicação que o Pai fez de Si mesmo por seu Verbo no Espírito Santo permanece presente e atuante na igreja." Através do Espírito Santo, "a voz viva do Evangelho ressoa na igreja e, através dela no mundo, leva os crentes à verdade plena'.


A noção de que a Bíblia contém apenas parcialmente as verdaUes reveladas, as quais devem ser suplementadas pelo ensino da Igreja Católica, nega a toda-suficiência das Escrituras. Paulo declara que "toda a fc.scnr.ura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra" (2Tm 3:16, 17). Note que a Bíblia contém todos os ensinamentos necessários para um crente ser "perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra". Não há necessidade da tradição para completar a Escritura.


Jesus censurou energicamente a forma enganosa pela qual a tradição pode minar a autoridade das Escrituras. "Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição, [...] invalidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição" (Mc 7:9, 13).


A fim de legitimar a validade daquilo que ensinavam, os escritores do Novo Testamento apelavam constantemente para as Escrituras, e não para a tradição (Mt 21:42;Jo 2:22; ICo 15:3,4; IPe 1:10-12; 2Pe 1:17-19). Paulo louvou os bereanos por comparar seus ensinos com a Escritura, e não com a tradição."[Os bereanos] receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim" (At 17:11).


Não resta dúvida de que a revelação divina contida nas Escrituras foi e continua sendo a autoridade final para definir as crenças e práticas cristãs. Qualquer tentativa de substituir a autoridade da Bíblia pela autoridade do magistério de qualquer igreja representa, como disse Jesus, uma maneira "jeitosa" de rejeitar o mandamento de Deus para guardar a sua própria tradição, invalidando assim a Palavra de Deus (Mc 7:9,13).